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Ir ao cabeleireiro é suposto ser para tratar disso mesmo, o cabelo.
Mas sinceramente acho que ir ao cabeleireiro é quase como ir a um lugar de catarse.
Cheguei ao cabeleireiro e ainda não tinham aberto a porta, pois atrasaram-se um pouco na hora da abertura. Entretanto chega uma senhora de 80 e alguns anos que me perguntou:
- "Ainda não chegaram?"
Ao que respondi - "Ainda não!"
E fiquei em silêncio, a senhora também.
Depois passado uns minutos, ela:
- "Sabe, aquela janela dali não fecha por causa de um ninho de andorinhas."
E dali veio uma conversa detalhada de janelas, limpeza, andorinhas, ninhos, obras e afins.
Percebi: Esta senhora precisa de falar. Vou ouvi-la atentamente.
Falámos depois dos exames médicos, da sua anterior doença e em como pode ter uma recidiva.
Encorajei-a, dizendo: "Vai ver que não vai ser nada!"
E ali estávamos a conversar.
Quando dei por mim senti muita vontade de ter uma avó novamente, de ouvir a voz dos mais velhos. Aquela senhora parecia daquelas avós que dá abraços aos netos, muitos beijinhos e faz aquele bolo de domingo fantástico.
Percebi que é tão bom falar com estranhos assim, mais velhos, sem obrigação, pelo puro prazer de ouvir histórias e desabafos que trazem sempre um quê de sabedoria pelo meio da conversa.
Aqueles cabelos brancos e aquelas rugas são a doçura mais pura de uma avó. Quase que pedi que me adotasse (não pedi, mas o meu eu interior gritava por ter uma avó assim), fiquei a imaginar aquelas casas das avós com toalhas de mesa antigas, bonitas; aqueles móveis muito polidos e a cheirar divinalmente a madeira; aquelas cozinhas muito limpas e de cheiro doce; aqueles lençóis que cheiram a sabonetes de outra época.
Que saudades de uma avó. E de um avô de riso rasgado forte e quase fanfarrão de tão contagiante que é.
Os avós são a magia doce dos netos.
Entretanto, nos meus devaneios enquanto conversava ao mesmo tempo com a senhora, vieram abrir o cabeleireiro.
Conclui que os cabeleireiros são zonas de catarse, de encontros, de desabafos.
No final, espreitei para a senhora, agora sentada na cadeira de lavar a cabeça e disse:
- "Tudo a correr bem."
A avó com mel agradeceu.
Adorava ir ao cabeleireiro e poder encontrá-la novamente.
Termos conceções erradas ou saber histórias dos outros pode deixar-nos à margem de pensamentos errados ou de ilações erradas.
Conversava com uma colega que me conta um episódio da vida dela e já tinha ouvido falar desse mesmo episódio por terceiros. A verdade é que a informação que me tinha sido dada estava ligeiramente errada.
Como se não bastasse no mesmo dia uma pessoa conversava comigo e falava sobre mim e sobre algo que me tinha acontecido. Tem graça que ela também não sabia a história como deve de ser.
Dei por mim a pensar que realmente o ser humano não tem a capacidade total de abarcar a informação real e muitas vezes a nossa realidade e os nossos pensamentos são deturpados pelo que pensamos ter ouvido ou dito por alguém que trazia a informação completa ou não, assim como um telefone estragado.
Tem graça, não é? Somos duvidosos no ouvir e no dizer.
Por isso devemos dar um desconto a nós mesmos e ao outros. Devemos dar um desconto ao que pensamos e ao que os outros pensam.
A realidade tem muitas versões, só uma é verdade e muitas vezes nós não sabemos qual delas é.
Por isso quando ouvir uma história vou pensar: "Hmmm, talvez não seja bem assim!" - como quem diz, vou dar um desconto, pois uma história mal contada ou mal percebida pode levar-nos a tomar atitudes erradas para com os outros e até para connosco. Para além do mais, até pode meter-nos numa valente trapalhada.
Por isso continuo a defender, "discutamos ideias e não pessoas", é melhor.
Calma e pára o baile que agora até sinto mais responsabilidade em escrever depois do "Destaque" do SAPO (perdoem-me, mas estou ainda um pouco embevecida pelo facto e a rebentar de orgulho, se calhar até nem é nada demais, mas deixem-me lá ser tolinha momentaneamente).
Ora bem, Rentrée - é disso que vim aqui falar.
Resumo de posts anteriores - Vaga para ocupar no emprego:
Fiquei com o emprego que queria, no local que queria. Ufa! Sofri durante as férias.
Quando recebi uma mensagem a dizer que tinha ficado colocada onde queria (pronto, pronto, vou revelar: sou professora) dei um grito no carro. O meu marido ia a conduzir assustou-se, a família sentada no banco de trás pensou que íamos ter um acidente e eu a chorar de alegria. Parecia cena de um filme de comédia romântica. Fiquei constrangida e a pedir desculpa à malta a noite toda pelo susto, mas pedi que me compreendessem pois estava numa ansiedade há semanas. Eles riam-se e aumentavam a cena só para me verem aflita. Malandros! (Amos-os!!!)
Chegada à escola na segunda-feira:
Fiquei a saber que vou ter os mesmos miúdos. Permitam-me: "Caraças, consegui!"
Eu já tinha uma estratégia toda escrita num papel caso ficasse lá.
O meu marido: "Mas porquê esse trabalho todo durante as férias se nem sabes que lá ficas e se ficas com os mesmos miúdos?" - pois, mas quando se gosta do que se faz até nas férias estamos a pensar na Rentrée e a conspirar que seja no mesmo sítio.
Eu adoro ver aqueles miúdos a superarem-se e adoro ainda mais ser eu o veículo da sua superação.
(Bolas, estou para aqui quase a chorar).
O pobre do meu marido triste pelas férias terminarem, eu ansiosa por regressar e ao mesmo tempo um misto de depressão pós férias. É uma dicotomia ser professor, quer-se ter férias e descanso, e ao mesmo tempo quer-se regressar. Pelo menos os que gostam (conheço mais colegas como eu).
A reunião geral de receção aos professores:
Caramba, há coisa mais bela do que vermo-nos todos outra vez? Distribuir beijos e abraços. Relembrar peripécias? Desconfio que não haja momento mais de alento do que este no início do ano letivo. Só mesmo o final do ano quando os miúdos nos agradecem e dizem que querem-nos para o ano como professores (os meus queriam fazem um abaixo-assinado - ri muito - não foi necessário a professorinha voltou).
Agora estamos em reuniões. Cada dia que me levanto para ir trabalhar é uma energia que penso: "Porque raio não me sinto assim o ano inteiro?" Vamos desmorecendo de cansaço, de burocracia em burocracia. Mas agora não quero pensar nisso, quero pensar nos meus miúdos e nas estratégias montadas para os levar ao sucesso. É ano de Exame Nacional senhores, deveras importante.
Esclarecimento:
Quando num post falei do meu chefe, é porque havia um horário que ele não sabia se ia colocar a concurso e se colocasse era essa a minha oportunidade de regressar (apesar de que o concurso dita as regras e podia sempre não me calhar). Regressei sim, suado, mas conseguido.
Os colegas analisaram e verificaram que iam precisar efetivamente de um horário completo já para este concurso de agosto. Isto de horários é mais complexo do que parece. Era para ser um horário de 15 horas, mas ao desdobrar turmas pode ficar-se com mais horas. A logística de uma escola é complicada. "Só quem está dentro é que sabe o que lá vai dentro". E os meus superiores são pessoas cinco estrelas e muito organizadas, mas este horário estava a dar dor de cabeça a toda a gente.
Muito entusiasmada por regressar onde tenho sido feliz nos últimos anos.
Feliz Ano Novo:
É nesta altura que sinto sempre a viragem do ano desde que me tornei professora. É quando começam novas oportunidades, vimos de cabeça descansada das férias, temos projetos novos para fazer acontecer, compra-se material escolar novo (my guilty pleasure), conhecem-se caras novas, revê-se as antigas (nem sempre, quando ficamos em outra escola), mudança de estação, ou seja, do calor para o frio, enfim, tudo o que exige uma mudança na vida.
Pela escola só se ouve entre docentes e não docentes: "Feliz Ano Novo!" ou "Bom Ano!"
Parece mesmo janeiro e eu adoro. Não há como não gostar deste carinho de comunidade de uma escola.
O melhor ainda está por vir:
O primeiro dia de aulas é sempre:
"Olha a Stôra!"
"Ficou cá outra vez, Stôra?" (com largo sorriso na cara)
Ou ainda não ter entrado na escola, mas pela vedação os miúdos dentro da escola vão me acenando e chamando. "Olá Stôra!" "As férias foram boas?"
É impagável o sentimento de gratidão que sentimos por termos dado tanto de nós a estes miúdos. É uma verdadeira recompensa: o carinho deles por nós.
Os meus miúdos!
Ansiosa pelo primeiro dia de aulas, já tinha dito?
Retrocedendo:
As férias foram boas. Acho que não apanhava um bronze (saudável) já há muitos anos. Tal foi a praia e a piscina que fiz este ano. Este ano foi à séria.
Deu para descansar.
Mal vi redes sociais. Foi mesmo família e livros. Televisão: "Salto de Fé!" - fiquei viciada, vinha para "casa" religiosamente (até é irónico) ver os episódios (RTP1, às 21h, viam?).
Percebi que posso ignorar a maldade se responder com bondade. Foi uma decisão que tomei durante as férias. Lembram-se do "Desadequadamente", pois bem, quem me responder mal, fizer mal ou falar mal de alguém à minha frente vou responder com bondade, dar a perspetiva positiva, dizer que não discuto pessoas, pode ser que o outro lado mude o mood. Está decidido. Quero lá saber da maldade dos outros. Quero o positivo. O lado bom. Eu sei que o lado mau existe, mas caramba, não o quero pra mim. Já me chega os infortúnios da vida, de saúde, económicos e por aí vai.
Que seja uma Rentrée cheia de momentos positivos, de aprendizagem e de dias felizes.
FELIZ ANO NOVO!!!
Fui de férias.
Desliguei de tudo, mesmo de tudo.
Embrenhei-me na leitura: li meio livro técnico e dois livros de ficção (o outro meio do livro técnico entretanto vou lendo para terminar).
Piscina, praia, passeio, aproveitar bons momentos com os meus.
E agora, depois de 3 dias de trabalho, sento-me e venho espreitar finalmente o blog e ...
Muitos comentários porque fui destaque do SAPO.
WHAT?!
Sinto-me muito honrada com o meu "Desadequadamente". Foi um momento de cansaço mental e de desabafo. Dizem que é sobre a pressão que nascem as melhores obras (sem exageros, vá). Nunca pensei. Muito obrigada à equipa do SAPO.
E eu que estava a pensar, antes de abrir o SAPO, juro, se saberia um dia escrever um livro de ficção? Um sinal, talvez? Mas daqui a nada vou fazer outra escrita sobre o pós férias. Este é mesmo para agradecer a quem me segue, leu e comentou e à equipa do SAPO pelo DESTAQUE. O meu muito obrigada!
Deu um alento maior aqui deste lado para a Rentrée (acho que vai ser este o título do novo post).
OBRIGADAAAAA!
Entramos no Facebook para um pequeno entretém de férias. Aqueles momentos que não apetece ver TV. Apetece querer saber dos amigos, da família, notícias e por aí vai.
No momento que achamos que vamos obter isso, somos invadidos por uma sensação de estupidificação. É o que sinto quando entro no Facebook.
Entro num grupo ou outro que sigo e quando vejo os comentários, saio de fininho. Fico atordoada com tanta maldade, inveja e puro prazer de falar mal do outro que chego a ficar nauseada. E é um grupo sobre profissionais. Fico com vergonha alheia.
Depois salto para outro grupo. Mais light, mas ainda se encontram "cenas" nauseantes. Saio também de fininho.
Este verão tenho estado mais junto de algumas pessoas e reparo que já não suporto determinado tipo de conversas. Não suporto a coscuvilhice, a maledicência, o reverter de histórias sem sentido. Mais uma náusea.
Estou numa fase de crer no belo, na parte boa da vida, na bondade das pessoas. Não consigo suportar a maldade. Faz-me mal.
Quando temos uma onda positiva, a negatividade dos outros incomoda-nos.
Reparei esta semana que mexe mesmo comigo, como nunca mexeu antes.
Estou assim quase a pedir férias das férias.
"Tu és a média das 5 pessoas mais próximas" E esta frase hoje fez-me mais sentido do que nunca.
Gosto de discutir ideias, não pessoas.
5 pessoas mais próximas. Bolas. Umas positivas, outras negativas.
Às vezes não percebia porque repelia determinadas pessoas, o falar com elas ou o estar. Agora percebo. Estou desadequada. Elas estão também desadequadas ao que sou ou penso na atualidade.
Respeito-as, amo-as, mas já não me identifico com o tipo de pensamento delas.
É libertador pensar isto e perceber o porquê. Perceber que temos de ter a resiliência e a ombridade de aceitar os outros, mas já não cabemos nessa caixa. Evoluímos. Crescemos. Somos outros.
E isso traz uma maturidade para pensar, ser e existir de maneira diferente.
Como adoro estar desadequada.
Vou por isso embrenhar-me nos meus livros, nos documentários e nas atualizações de temas que me interessam e interessam para um mundo melhor.
É assim que gosto de estar de férias: Pensar, refletir e reinventar-me, para regressar carregada de energia positiva.
Respiremos positivamente.
Estou aqui sentada a ver os Jogos Olímpicos (JO), pois compete o Diogo Ribeiro e sou uma aficionada da Natação. Já fui atleta.
E sempre que chegam as provas dos JO dá-me sempre uma angústia por saber que podia ter ido mais longe, que me estava a desenvolver enquanto atleta e o meu pai simplesmente decidiu que eu deveria sair, pois poderia atrapalhar a escola e os meus resultados escolares.
Mais tarde, percebeu que seria o oposto. Quando aos 18 anos regresso e nota-se que ainda tenho uma performance brutal, onde muitos colegas diziam, porque não te tentas federar. Naquele tempo diziam que com 18 anos era velha. Hoje estou a ver um atleta de 1985 nos JO e tenho vontade de rir ou um misto de choro repreendido aqui dentro.
Mas voltando ao meu pai. Acredito que quisesse o melhor para mim, mas nunca ouviu o que eu queria, só o que ele queria. Roubou-me várias oportunidades. O meu pai foi culpado por muita coisa que não aconteceu na minha vida. Até poderia não ter dado em nada, mas ao menos tinha tentado.
O meu pai voltou todas as suas atenções para o meu irmão. Fiquei para segundo plano. Às vezes até sentia que ele me odiava profundamente. Talvez por dizer sempre o que penso.
Eu devia, na cabeça dele, ser calada, acatar tudo, namorar a partir dos 30 e ser médica (talvez).
Nunca aceitou bem o curso que eu quis seguir, foi contra até ao último ano de faculdade. E depois quando comecei a trabalhar no que queria ficou muito orgulhoso. Eu precisei do apoio dele lá atrás, não depois de todo o esforço que fiz sozinha.
Não queria que eu trabalhasse, não queria muita coisa. Vivia aprisionado num medo que nem eu compreendo bem. A minha sorte é que sempre fui resiliente e tive força para lhe fazer frente a partir dos meus 18 anos. Encaixei que estava numa idade que tinha de fazer por mim, porque por ele, eu tinha de ser brilhante, ser grande, mas não podia sair para o mundo. Era uma dicotomia muito estranha.
Ele nunca percebeu que cresci com traumas, com frustração por não conseguir ter a oportunidade de evoluir na natação, por não evoluir no canto. Sim, porque adorava cantar e quando tive uma audição marcada, não me levou. Foi triste. Lembro-me como se fosse hoje, era um dia de outono, nublado, chuvoso e ele simplesmente dizia: "Não te vou levar a isso." Nunca percebeu que foi matando os meus sonhos de criança. Um a um.
Como os pais, ao serem super protetores, não percebem que isso pode ferir uma criança para a vida toda, ou seja, aquilo vai com ela para a vida adulta. Acho que por isso me saboto tantas vezes e acho que nunca vou conseguir determinadas coisas na vida.
Em criança cheguei a desejar a morte do meu pai, tal era o terror psicológico que ele me fazia de notas, resultados escolares e ameaças se alguma vez tivesse um namorado.
Hoje, ele já não está entre nós. Isto dói e ao mesmo tempo a minha criança interior sente-se aliviada. E o meu eu adulto sente-se culpado por pensar nisto.
É um amor-ódio o que sinto pelo meu pai.
Nos últimos tempos da sua vida, já doente, tinha uma fixação por mim. Dizia que me via no hospital durante a noite, que o vinha tapar com um cobertor quando tinha frio. Acho que talvez fossem remorsos. Não sei. Mas sei que me fez muito mal e talvez nunca compreendeu a extensão disso.
Não me apoiou quando caí a uma cama do hospital e corri risco de vida. Nem me foi ver. Ficou lá em baixo e a minha mãe é que subiu e esteve pouco tempo porque ele estava com pressa. Pressa para ir para o café beber com os amigos. É triste ter um pai assim.
Depois disto, como poderia ver-me livre de um namorado asfixiante, mas que esteve sempre lá?
O meu pai não percebeu que me falhou.
Não percebeu que apanhei um esgotamento pela pressão que ele me fez para eu entrar na faculdade, porque todas as filhas dos colegas tinham entrado e eu não. Eu era uma mancha para as basófias dele, que adorava gabar-se, aos colegas, dos filhos. Eu para ele passava nada mais do que uma merda de miúda, provavelmente, que o fez cair no rídiculo. E não percebeu que o mais importante era a filha adolescente, a crescer com dores emocionais e a precisar de apoio.
Lembro-me de dormir mal e acordar com ele a entrar em casa às 2h da manhã, de vir dos copos, e saltar na cama de medo. Eu tinha medo dele. Eu vivi toda a minha infância com medo do meu pai.
Que raio de pai instiga terror na filha? Medo que ele me batesse. Medo que me ralhasse. Medo, medo e medo.
Como a minha criança interior não haveria de estar aliviada por saber que ele partiu?
E ao mesmo tempo ainda me lembro de ele perguntar se eu estava bem, já em adulta. De se preocupar comigo algumas vezes. De verificar a meio da noite se eu respirava, quando criança e adolescente. De falar comigo sobre música e filmes. De contar as suas aventuras de mocidade e falar do 25 de abril e como contribuiu para o mesmo. Mas são mais as coisas más do que boas.
O meu pai nunca me deu um abraço. Nunca me deu um carinho. Era tudo à estúpida. Para ele amar-me era não deixar faltar-me nada. Não percebeu que preferia carinho e atenção, do que ténis de marca ou a camisola da moda.
Respiro fundo. Isto tudo ainda dói. Mas sei que vivo melhor, porque já muito resolvi dentro de mim. Outras coisas nem por isso.
E hoje ao ver nadadores nos JO percebo como ele me privou de crescer, de tentar. Mesmo que não fosse a algum lado.
Enfim. Já foi. Uma oportunidade que passou e não volta mais.
Orgulho-me na mulher de 18 anos que me tornei e passei a não deixar que ele me influenciasse mais nas minhas escolhas. Aos 18 acabou. Fui ser o que eu sempre quis ser. E aí começou o ódio dele por mim. Já não me podia controlar.
O meu pai sempre foi frustrado profissionalmente. Sempre foi uma pessoa invejosa. Sempre falava mal dos outros. Algo que não quis cultivar em mim. Tive um manual vivo de: "O que não quero ser quando for grande."
Perdoa-me pai, por este desabafo. Mas tu fizeste-me muito mal. Foste um pai tóxico e não percebeste que me magoaste e feriste para a vida toda. Contudo, de alguma forma ainda tenho bons momentos e gosto de ti. E isso é que me dói mais, gostar de ti sabendo que tu não sabias retribuir.
Será sempre um amor-ódio.
Hoje foi um dia angustiante. Perceber que a nível de trabalho posso não ter lugar para me manter onde estou e preciso estar. Perceber que o meu chefe, se quiser, pode encontrar forma de garantir a vaga na equipa, mas por descomplacência ou por motivos que me são alheios não parece querer encontrar forma dessa vaga manter-se disponível.
Falei com uma colega da qual sou próxima e desabafei. Ela também muito triste pois quer trabalhar comigo, fizemos uma boa parceria de trabalho. Entretanto entrou em reunião e não falámos mais, mas deu para aquele desabafo.
Hoje, mais tarde, falou comigo e referiu que afinal o chefe pode ter uma forma de assegurar essa vaga. Tenho para mim que ela pode ter sondado ou ter falado/apelado por mim. Gosto de pensar que sim.
Agora é torcer muito os dedos, fazendo figas, e rezar que a sua mente se ilumine e consiga manter este meu lugar.
É o que eu preciso mesmo. Eu preciso de trabalhar aqui. Aqui já sabem os meus projetos pessoais, já estão adaptados a tudo e sabem como se mexer. Se for para outro lado posso não ter tanta flexibilidade. Para não falar no projeto profissional que estruturei para a rentré após as férias, mas que não tive oportunidade de mostrar dado que a vaga está em vias de cair.
A empresa ficaria a perder se eu levasse comigo este projeto, mas nada a fazer. Agora é esperar para ver o que dita o destino.
Mas quem consegue ter férias e descansar a cabeça sem saber o que lhe vai acontecer quando vier das férias?
Vão ser dias de angústia e confiar que de alguma forma os meus colegas sejam anjos em forma de pessoa.
Lembro que quando era criança o meu maior sonho era encontrar alguém que eu amasse e me correspondesse de forma igual, tivessemos muitos filhos e uma casa linda.
Começo a achar, como muito já li por aí nos mares das redes sociais, que os desenhos animados da Disney são os culpados pela nossa insatisfação na vida adulta.
Primeiro porque raramente era correspondida em adolescente e quando fui, a experiência foi tão má que me marcou durante vários anos. Ao ponto de chumbar de ano, não entrar na faculdade, apanhar um princípio de esgotamento e ter vontade de desaparecer, pois queria sair do meu corpo e estava aprisionada a uma mente que não me dava descanso.
Ultrapassei.
Mudei de escola. Entrei na faculdade no ano seguinte no curso que queria.
Amadureci. Cresci.
Amores de verão, que não deram em nada. Tudo platónico. Próprio da idade.
Até que conheço alguém, nos últimos anos da faculdade que nunca devia ter conhecido, ou melhor, nunca deveriam ter-me dado a conhecer. Basicamente, atirei-me para esquecer alguém que mudou a minha vida na forma de descobrir o que era o "amar". Essa pessoa até hoje não imagina o quão foi importante para mim. O quanto o meu alento para estudar, ir à faculdade era sobre ela, a pessoa.
Mas como estava a dizer, atirei-me de cabeça num relacionamento para esquecer outra pessoa e sinceramente, nunca façam isso. Vai dar caca na certa.
Este ser repugnante, fazia-me terror psicológico, mas estava lá para mim, ao mesmo tempo, que ninguém esteve. Básico dos namorados controladores. E como esteve sempre lá, quando o meu pai me falhou, me virou as costas e só queria saber do meu irmão e de o levar ao futebol, pois ansiava que fosse um Cristiano Ronaldo da época, eu fiquei para segundo plano.
E o ser repugnante (que eu hoje não entendo na minha mente como eu namorei aquilo), não me deixava vestir o que quisesse, não podia colocar um perfume, colocar um simples lápis preto, pois estava a empiriquitar-me para outro homem, na mente dele.
Passavam homens na rua e questionava se eu estava a olhar. Puro terror psicológico.
Mas como eu me sujeitei?
Eu hoje sei. Estava sozinha. Não tinha o amparo do meu pai. Eu tinha descoberto há pouco tempo uma doença e essa doença levou-me a juventude e também a oportunidade de ter filhos. Enfim.
Mais tarde, descobri, por caminhos tortos, já casada, que eu não estava ali a fazer nada. Como poderia eu sujeitar-me a tal tipo de tratamento. Eu nem nervosa no dia do casamento fiquei. Não era normal. Mas eu tinha vinte e poucos e esquece, era tudo muito imaturo para mim ainda.
Alguns anos depois dei um murro na mesa e saí. Libertei-me.
Hoje sei que isso tornou-me mais forte. Mais atenta aos sinais. Mais tudo. Foi uma lição de vida.
Foram muitas lágrimas, muita dor, mas tornou-me a pessoa forte que sou.
Deu oportunidade de curar feridas, de estar sozinha, de comprar a minha casa, de construir uma profissão, de ser independente, de descobrir o mundo, de viajar sozinha de avião para o outro lado do mundo.
Eu fui viver.
E após alguns anos, já reconciliada comigo, encontrei o homem que me fez sorrir, que me protege, que me ama e eu o amo na mesma medida e tamanho e desta forma passou a fazer sentido uma frase que a minha avó tantas vezes me disse quando era mais nova:
"Encontra um homem que seja teu amigo." E assim foi. Primeiro cultivámos uma amizade durante alguns anos e depois tornámo-nos marido e mulher, porque a amizade já não era suficiente para o que sentíamos e ao mesmo tempo continuamos a ser muito amigos um do outro.
Se eu tivesse que passar por tudo para chegar até ele, faria de novo. Pois sei que toda a dor, toda a tormenta me levou até aqui.
E ao mesmo tempo paguei um preço demasiado alto.
Não posso ter filhos. A maldita doença roubou-me essa oportunidade. A oportunidade de gerar um ser dentro de mim. Hoje aceito melhor, depois de alguns anos de terapia. Hoje aceito melhor, porque estou melhor resolvida. Mas foi duro e ainda é duro, vá. Não vamos tapar o sol com a peneira.
Não consigo ainda aceitar o facto e por isso ainda quero ter filhos, de outra forma, mas quero.
Mas bate-me um vazio, o vazio de não poder gerar uma luz, uma vida. É uma dor que atormenta os meus pensamentos algumas vezes.
Hoje, já ninguém me faz perguntas estúpidas, pois já perceberam que todos à minha volta já tiveram filhos, já tiveram, até, a segunda ronda de filhos e eu nada.
Hoje, já ninguém questiona, porque sabem que vão levar com uma resposta ao tamanho da pergunta.
Hoje, já ninguém questiona, porque desconfiam que devo "ter problemas" para os ter.
Mas dói, ir a aniversários e todos com as suas famílias rodeados de miúdos aos saltos e nós de ninho vazio.
Dói mais ainda, saber que não estou a acompanhar o crescimento de um ser, o ser gerado pelo amor. Não ter aquelas mãozinhas que nos chamam, que nos tocam com amor puro. Não ter uma creche para levar um filho, uma roupa para comprar. Ainda ontem, passei por uma loja de roupa de criança e pensei:
"Um dia vou comprar muita roupa aqui para o meu filho." Isto parece ao mesmo tempo muito estúpido, mas é isto que eu preciso para ter esta chama no meu peito.
Pois um dia já quis acabar com a minha vida, ainda era eu solteira, quando estava ao telefone com uma amiga e dizia que só me apetecia acelerar o carro e enfaixar-me no próximo poste. Tal era a dor que eu sentia. Tinha acabado de sair de um exame médico onde me foi dito: "Esqueça. Nunca vai conseguir." - Acho que a empatia não foi a melhor para uma mulher de 30 e poucos anos, ou seja, muito válida para ter filhos.
Hoje nos quarentas... Posso dizer que já nada disto me afeta. Já enfrento as opiniões alheias. Já rio quando me perguntam num exame médico: "Quando foi a última vez que menstruou?"
Respondo: "Já não tenho útero" e rio-me. E dá-me um gostinho ver a outra pessoa constrangida.
Não por maldade, mas pela vingança de todas as perguntas estúpidas que já me fizeram.
Até amigas perdi, porque não podia ter filhos.
O mundo pode ser muito cruel. É uma ferida a céu aberto. Hoje vivo melhor com ela.
Há coisas que ainda me incomodam, não vou negar. É um processo.
Mas lembro-me de algumas palavras que a minha psicóloga me costumava dizer e tento resolver as coisas dentro de mim.
E no meio disto tudo, dói mais ainda, ter um homem ao meu lado que quer tanto ser pai como eu quero ser mãe e simplesmente calhou-lhe em sorte, ou não, amar-me. E isso parte-me o coração.
Este meu homem, não merece. É um grande senhor. É um rapaz às maneiras. É o meu protetor, aquele que nunca tive na vida (exceto o meu avô, mas isso dará outra história). E ao mesmo tempo sei que ele não se revê em outra raparigas e eu não me vejo em outros rapazes.
A nossa amizade levou-nos aqui. Que culpa temos de nos amar profundamente.
Nenhuma. E lutamos, hoje, os dois, para sermos pais.
Parece que os obstáculos se sucedem, uns aos outros. Ele próprio já disse: "Parece que há sempre algo a acontecer para nos impedir". E penso: "Como te compreendo. É isso que tenho vivido nos últimos 20 anos."
Gosto de acreditar que Deus está a aguardar pelo momento certo.
Tornei-me mais crente. Talvez para ter uma esperança.
Tornei-me mais atenta aos sinais que a vida me dá.
Àz vezes no vazio da vida, estão lá os sinais para prosseguir ou parar. Só temos que escutar, observar e interpretar.
Temos de nos agarrar a algo para manter a esperança, a Fé, então é aos sinais que me agarro. Aos momentos oportunos para preencher o vazio que vai transbordando entre uma conversa aqui e ali. Entre um olhar e outro. Entre um suspirar, um expirar e não pirar.
Gosto de acreditar que a nossa luzinha está guardada para vir até nós um dia.
E enquanto escrevo estas linhas dói mais um pouco e percebo que não estou nada pronta para desistir da ideia de ter filhos. Vou lutar até ao fim. Até chegar a uma linha onde eu possa dizer, finalmente conseguimos ou esquece, não dá mesmo.
E acho que é isto.
Quantas vezes fui transparente e fiquei a perder com a minha transparência.
Quantas vezes contei informação minha profissional e alguém tirou vantagem e chegou primeiro.
Desta vez tentei ao máximo não partilhar informação sobre mim, sobre as minhas opções.
Até hoje. Até alguém questionar diretamente e eu saber que não podia esconder mais.
Não gosto nada de mentir ou omitir, mas desta vez para meu bem teve de ser.
Se vai resultar ou não, não sei. Mas preciso de um bom rumo profissional neste momento.
Preciso de me concentrar no meu projeto pessoal e para isso, o profissional tem de estar a correr bem também.
É tudo tão incerto. O que me causa só ansiedade e stress.
Só consigo controlar até certo ponto, depois fico nas mãos do destino ou de Deus.
Seja o que Deus quiser. E que o que Ele quiser, seja o melhor para mim.
Tive um bom feeling. Um feeling que o que eu queria que acontecesse, ia acontecer.
Lembrei-me de um episódio em criança, onde a minha professora primária sorteou um pequeno brinde entre os alunos.
E já em criança tinha uma mente sabotadora: "Não me vai calhar a mim. Só os outros têm sorte. Mas podia desta vez ser eu. Por favor, calha-me a mim o sorteio do brinde. Eu vou conseguir. Aquilo é meu. Eu vou conseguir. De certeza. Só pode. Aquilo é para mim." E para meu espanto o papelinho que foi tirado indicava que o brinde era para mim. Fiquei incrédula. Cheguei mesmo a pensar se aquilo tinha acontecido. Era eu uma criança e já tinha pensamentos derrotistas.
E esta semana, enquanto esperava por notícias profissionais, lembrei-me desse episódio. E pensei, "Vai acontecer. É para mim." E em seguida tenho um e-mail que indicava o que eu ansiava. Sorri.
E ao mesmo tempo nem podia acreditar. Existe uma esperança profissional no fundo do túnel.
Agora temos de aguardar pelas próximas novidades e pela próxima etapa.
Passinho a passinho.
E continuo a pensar no episódio de criança. Como nós, o nosso cérebro nos sabota de tal forma que acreditamos não sermos merecedores de determinado acontecimento.
Gosto de viver no positivo. Mas o problema dele é que quando caímos, é demasiado duro.
Deveríamos viver sem expectativas. Mas será que tem graça viver a vida sem esperar nada.
Aquela sensação de expectativas dá-nos alento. Alegria.
Viver sem essa emoção, será viver?
Depois podemos sofrer, é certo. Mas agora entra outra parte: saber lidar com isso. Com os nãos, com a derrota.
Também faz parte da vida. Processar e sobreviver ao que nos acontece ou gostaríamos que acontecesse e não aconteceu.
Prefiro viver na expectativa. Vive-se feliz. Mesmo que por breves instantes.
Permite mais criatividade, permite ter energia para levantar de manhã e fazer "coisas", manter projetos. Mesmo sabendo que corremos o risco de desabar num choro durante uma noite inteira, e contorcer-nos no sofá e não querar falar com ninguém nas próximas 24h.
Mas depois lambe-se as feridas e up, up. A vida prossegue para o próximo sonho, projeto, expectativa.
É assim que vejo. Talvez daqui a uns anos mude a minha perspetiva. Mas agora. Agora é isto que sinto.
A necessidade de falar ecoa muito alto.
Há coisas que falo e ninguém entende. Há coisas que não falo a ninguém. Há coisas que ninguém ouve atentamente. Há coisas que só escrevendo.
Este é O Caderno de Linhas que quero ter para poder escrever livremente.
É o meu Caderno.
Podem espreitar, ler, inspirar-se e quem sabe identificar-se.
São desabafos. E tentativas de entender a realidade que às vezes nos atropela sem nós sabermos de onde ela veio, nem como veio.