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30
Jul24

Amor-Ódio

por April

Estou aqui sentada a ver os Jogos Olímpicos (JO), pois compete o Diogo Ribeiro e sou uma aficionada da Natação. Já fui atleta.

E sempre que chegam as provas dos JO dá-me sempre uma angústia por saber que podia ter ido mais longe, que me estava a desenvolver enquanto atleta e o meu pai simplesmente decidiu que eu deveria sair, pois poderia atrapalhar a escola e os meus resultados escolares.

Mais tarde, percebeu que seria o oposto. Quando aos 18 anos regresso e nota-se que ainda tenho uma performance brutal, onde muitos colegas diziam, porque não te tentas federar. Naquele tempo diziam que com 18 anos era velha. Hoje estou a ver um atleta de 1985 nos JO e tenho vontade de rir ou um misto de choro repreendido aqui dentro.

Mas voltando ao meu pai. Acredito que quisesse o melhor para mim, mas nunca ouviu o que eu queria, só o que ele queria. Roubou-me várias oportunidades. O meu pai foi culpado por muita coisa que não aconteceu na minha vida. Até poderia não ter dado em nada, mas ao menos tinha tentado.

O meu pai voltou todas as suas atenções para o meu irmão. Fiquei para segundo plano. Às vezes até sentia que ele me odiava profundamente. Talvez por dizer sempre o que penso.

Eu devia, na cabeça dele, ser calada, acatar tudo, namorar a partir dos 30 e ser médica (talvez).

Nunca aceitou bem o curso que eu quis seguir, foi contra até ao último ano de faculdade. E depois quando comecei a trabalhar no que queria ficou muito orgulhoso. Eu precisei do apoio dele lá atrás, não depois de todo o esforço que fiz sozinha.

Não queria que eu trabalhasse, não queria muita coisa. Vivia aprisionado num medo que nem eu compreendo bem. A minha sorte é que sempre fui resiliente e tive força para lhe fazer frente a partir dos meus 18 anos. Encaixei que estava numa idade que tinha de fazer por mim, porque por ele, eu tinha de ser brilhante, ser grande, mas não podia sair para o mundo. Era uma dicotomia muito estranha.

Ele nunca percebeu que cresci com traumas, com frustração por não conseguir ter a oportunidade de evoluir na natação, por não evoluir no canto. Sim, porque adorava cantar e quando tive uma audição marcada, não me levou. Foi triste. Lembro-me como se fosse hoje, era um dia de outono, nublado, chuvoso e ele simplesmente dizia: "Não te vou levar a isso." Nunca percebeu que foi matando os meus sonhos de criança. Um a um.

Como os pais, ao serem super protetores, não percebem que isso pode ferir uma criança para a vida toda, ou seja, aquilo vai com ela para a vida adulta. Acho que por isso me saboto tantas vezes e acho que nunca vou conseguir determinadas coisas na vida.

Em criança cheguei a desejar a morte do meu pai, tal era o terror psicológico que ele me fazia de notas, resultados escolares e ameaças se alguma vez tivesse um namorado.

Hoje, ele já não está entre nós. Isto dói e ao mesmo tempo a minha criança interior sente-se aliviada. E o meu eu adulto sente-se culpado por pensar nisto.

É um amor-ódio o que sinto pelo meu pai.

Nos últimos tempos da sua vida, já doente, tinha uma fixação por mim. Dizia que me via no hospital durante a noite, que o vinha tapar com um cobertor quando tinha frio. Acho que talvez fossem remorsos. Não sei. Mas sei que me fez muito mal e talvez nunca compreendeu a extensão disso.

Não me apoiou quando caí a uma cama do hospital e corri risco de vida. Nem me foi ver. Ficou lá em baixo e a minha mãe é que subiu e esteve pouco tempo porque ele estava com pressa. Pressa para ir para o café beber com os amigos. É triste ter um pai assim.

Depois disto, como poderia ver-me livre de um namorado asfixiante, mas que esteve sempre lá?

O meu pai não percebeu que me falhou.

Não percebeu que apanhei um esgotamento pela pressão que ele me fez para eu entrar na faculdade, porque todas as filhas dos colegas tinham entrado e eu não. Eu era uma mancha para as basófias dele, que adorava gabar-se, aos colegas, dos filhos. Eu para ele passava nada mais do que uma merda de miúda, provavelmente, que o fez cair no rídiculo. E não percebeu que o mais importante era a filha adolescente, a crescer com dores emocionais e a precisar de apoio.

Lembro-me de dormir mal e acordar com ele a entrar em casa às 2h da manhã, de vir dos copos, e saltar na cama de medo. Eu tinha medo dele. Eu vivi toda a minha infância com medo do meu pai.

Que raio de pai instiga terror na filha? Medo que ele me batesse. Medo que me ralhasse. Medo, medo e medo.

Como a minha criança interior não haveria de estar aliviada por saber que ele partiu?

E ao mesmo tempo ainda me lembro de ele perguntar se eu estava bem, já em adulta. De se preocupar comigo algumas vezes. De verificar a meio da noite se eu respirava, quando criança e adolescente. De falar comigo sobre música e filmes. De contar as suas aventuras de mocidade e falar do 25 de abril e como contribuiu para o mesmo. Mas são mais as coisas más do que boas.

O meu pai nunca me deu um abraço. Nunca me deu um carinho. Era tudo à estúpida. Para ele amar-me era não deixar faltar-me nada. Não percebeu que preferia carinho e atenção, do que ténis de marca ou a camisola da moda.

Respiro fundo. Isto tudo ainda dói. Mas sei que vivo melhor, porque já muito resolvi dentro de mim. Outras coisas nem por isso. 

E hoje ao ver nadadores nos JO percebo como ele me privou de crescer, de tentar. Mesmo que não fosse a algum lado.

Enfim. Já foi. Uma oportunidade que passou e não volta mais.

Orgulho-me na mulher de 18 anos que me tornei e passei a não deixar que ele me influenciasse mais nas minhas escolhas. Aos 18 acabou. Fui ser o que eu sempre quis ser. E aí começou o ódio dele por mim. Já não me podia controlar.

O meu pai sempre foi frustrado profissionalmente. Sempre foi uma pessoa invejosa. Sempre falava mal dos outros. Algo que não quis cultivar em mim. Tive um manual vivo de: "O que não quero ser quando for grande."

Perdoa-me pai, por este desabafo. Mas tu fizeste-me muito mal. Foste um pai tóxico e não percebeste que me magoaste e feriste para a vida toda. Contudo, de alguma forma ainda tenho bons momentos e gosto de ti. E isso é que me dói mais, gostar de ti sabendo que tu não sabias retribuir.

Será sempre um amor-ódio.


3 comentários

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Helena 14.08.2024

Olá. eu compreendo perfeitamente o teu ponto de vista e compreendo os teus sentimentos. Também já passei por uma situação parecida, mas agora com mais anos em cima, vejo-a de outra perspetiva. O caminho para mim, foi perdoar, respeitar limites, contextualizar e aceitar.
Não tenho quaisquer ressentimentos e sei que não me levariam a lado nenhum. Foi o que foi e já não é. Compreendo a tua dualidade de sentimentos e penso que deves também perdoar-te de sentires assim ( ódio), que é uma reação perfeitamente normal quando alguém nos faz mal. Felizmente na vida as situações são temporárias, visto que agora já não és criança, mas quando algo te relembra do passado , como a oportunidade de seres atleta de natação ( e veres os JO), causa-te dor. Concentra-te no presente e nas escolhas que fizeste ( o curso que que fizeste na faculdade) que te deixaram orgulhosa. Concentra-te mais nas conquistas e menos no que correu bem, porque todas as vidas têm os seus espinhos, mas por sorte ou azar, são eles ( os espinhos) que nos tornam mais fortes e tornam-nos no que somos hoje.
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April 04.09.2024

Em cheio Helena. É isso mesmo. São os espinhos que nos tornam fortes e naquilo que somos. Eu perdoei-o, mas este ano de 2024, sei lá porquê, dei por mim a "desperdoar" (se é que tal palavra existe) um pouco.

Pensei em tudo o que aconteceu à minha volta. Pensei nos problemas familiares que existiram há uns anos e penso em como ele ficaria revoltado com o que o meu irmão me fez (virar-me as costas a mim e à minha mãe), quando ele era o filho querido dele.

Sei lá, parece que espelhei nele a dor que tenho pelo o que o meu irmão me fez. É complexo. Daria uma novela, mas ele está perdoado sim, mesmo que me lembre por vezes e doa. É inevitável.
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April 04.09.2024

E obrigada pelo comentário tão atencioso e pelo conselho sábio: "perdoar".

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