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Lembro que quando era criança o meu maior sonho era encontrar alguém que eu amasse e me correspondesse de forma igual, tivessemos muitos filhos e uma casa linda.
Começo a achar, como muito já li por aí nos mares das redes sociais, que os desenhos animados da Disney são os culpados pela nossa insatisfação na vida adulta.
Primeiro porque raramente era correspondida em adolescente e quando fui, a experiência foi tão má que me marcou durante vários anos. Ao ponto de chumbar de ano, não entrar na faculdade, apanhar um princípio de esgotamento e ter vontade de desaparecer, pois queria sair do meu corpo e estava aprisionada a uma mente que não me dava descanso.
Ultrapassei.
Mudei de escola. Entrei na faculdade no ano seguinte no curso que queria.
Amadureci. Cresci.
Amores de verão, que não deram em nada. Tudo platónico. Próprio da idade.
Até que conheço alguém, nos últimos anos da faculdade que nunca devia ter conhecido, ou melhor, nunca deveriam ter-me dado a conhecer. Basicamente, atirei-me para esquecer alguém que mudou a minha vida na forma de descobrir o que era o "amar". Essa pessoa até hoje não imagina o quão foi importante para mim. O quanto o meu alento para estudar, ir à faculdade era sobre ela, a pessoa.
Mas como estava a dizer, atirei-me de cabeça num relacionamento para esquecer outra pessoa e sinceramente, nunca façam isso. Vai dar caca na certa.
Este ser repugnante, fazia-me terror psicológico, mas estava lá para mim, ao mesmo tempo, que ninguém esteve. Básico dos namorados controladores. E como esteve sempre lá, quando o meu pai me falhou, me virou as costas e só queria saber do meu irmão e de o levar ao futebol, pois ansiava que fosse um Cristiano Ronaldo da época, eu fiquei para segundo plano.
E o ser repugnante (que eu hoje não entendo na minha mente como eu namorei aquilo), não me deixava vestir o que quisesse, não podia colocar um perfume, colocar um simples lápis preto, pois estava a empiriquitar-me para outro homem, na mente dele.
Passavam homens na rua e questionava se eu estava a olhar. Puro terror psicológico.
Mas como eu me sujeitei?
Eu hoje sei. Estava sozinha. Não tinha o amparo do meu pai. Eu tinha descoberto há pouco tempo uma doença e essa doença levou-me a juventude e também a oportunidade de ter filhos. Enfim.
Mais tarde, descobri, por caminhos tortos, já casada, que eu não estava ali a fazer nada. Como poderia eu sujeitar-me a tal tipo de tratamento. Eu nem nervosa no dia do casamento fiquei. Não era normal. Mas eu tinha vinte e poucos e esquece, era tudo muito imaturo para mim ainda.
Alguns anos depois dei um murro na mesa e saí. Libertei-me.
Hoje sei que isso tornou-me mais forte. Mais atenta aos sinais. Mais tudo. Foi uma lição de vida.
Foram muitas lágrimas, muita dor, mas tornou-me a pessoa forte que sou.
Deu oportunidade de curar feridas, de estar sozinha, de comprar a minha casa, de construir uma profissão, de ser independente, de descobrir o mundo, de viajar sozinha de avião para o outro lado do mundo.
Eu fui viver.
E após alguns anos, já reconciliada comigo, encontrei o homem que me fez sorrir, que me protege, que me ama e eu o amo na mesma medida e tamanho e desta forma passou a fazer sentido uma frase que a minha avó tantas vezes me disse quando era mais nova:
"Encontra um homem que seja teu amigo." E assim foi. Primeiro cultivámos uma amizade durante alguns anos e depois tornámo-nos marido e mulher, porque a amizade já não era suficiente para o que sentíamos e ao mesmo tempo continuamos a ser muito amigos um do outro.
Se eu tivesse que passar por tudo para chegar até ele, faria de novo. Pois sei que toda a dor, toda a tormenta me levou até aqui.
E ao mesmo tempo paguei um preço demasiado alto.
Não posso ter filhos. A maldita doença roubou-me essa oportunidade. A oportunidade de gerar um ser dentro de mim. Hoje aceito melhor, depois de alguns anos de terapia. Hoje aceito melhor, porque estou melhor resolvida. Mas foi duro e ainda é duro, vá. Não vamos tapar o sol com a peneira.
Não consigo ainda aceitar o facto e por isso ainda quero ter filhos, de outra forma, mas quero.
Mas bate-me um vazio, o vazio de não poder gerar uma luz, uma vida. É uma dor que atormenta os meus pensamentos algumas vezes.
Hoje, já ninguém me faz perguntas estúpidas, pois já perceberam que todos à minha volta já tiveram filhos, já tiveram, até, a segunda ronda de filhos e eu nada.
Hoje, já ninguém questiona, porque sabem que vão levar com uma resposta ao tamanho da pergunta.
Hoje, já ninguém questiona, porque desconfiam que devo "ter problemas" para os ter.
Mas dói, ir a aniversários e todos com as suas famílias rodeados de miúdos aos saltos e nós de ninho vazio.
Dói mais ainda, saber que não estou a acompanhar o crescimento de um ser, o ser gerado pelo amor. Não ter aquelas mãozinhas que nos chamam, que nos tocam com amor puro. Não ter uma creche para levar um filho, uma roupa para comprar. Ainda ontem, passei por uma loja de roupa de criança e pensei:
"Um dia vou comprar muita roupa aqui para o meu filho." Isto parece ao mesmo tempo muito estúpido, mas é isto que eu preciso para ter esta chama no meu peito.
Pois um dia já quis acabar com a minha vida, ainda era eu solteira, quando estava ao telefone com uma amiga e dizia que só me apetecia acelerar o carro e enfaixar-me no próximo poste. Tal era a dor que eu sentia. Tinha acabado de sair de um exame médico onde me foi dito: "Esqueça. Nunca vai conseguir." - Acho que a empatia não foi a melhor para uma mulher de 30 e poucos anos, ou seja, muito válida para ter filhos.
Hoje nos quarentas... Posso dizer que já nada disto me afeta. Já enfrento as opiniões alheias. Já rio quando me perguntam num exame médico: "Quando foi a última vez que menstruou?"
Respondo: "Já não tenho útero" e rio-me. E dá-me um gostinho ver a outra pessoa constrangida.
Não por maldade, mas pela vingança de todas as perguntas estúpidas que já me fizeram.
Até amigas perdi, porque não podia ter filhos.
O mundo pode ser muito cruel. É uma ferida a céu aberto. Hoje vivo melhor com ela.
Há coisas que ainda me incomodam, não vou negar. É um processo.
Mas lembro-me de algumas palavras que a minha psicóloga me costumava dizer e tento resolver as coisas dentro de mim.
E no meio disto tudo, dói mais ainda, ter um homem ao meu lado que quer tanto ser pai como eu quero ser mãe e simplesmente calhou-lhe em sorte, ou não, amar-me. E isso parte-me o coração.
Este meu homem, não merece. É um grande senhor. É um rapaz às maneiras. É o meu protetor, aquele que nunca tive na vida (exceto o meu avô, mas isso dará outra história). E ao mesmo tempo sei que ele não se revê em outra raparigas e eu não me vejo em outros rapazes.
A nossa amizade levou-nos aqui. Que culpa temos de nos amar profundamente.
Nenhuma. E lutamos, hoje, os dois, para sermos pais.
Parece que os obstáculos se sucedem, uns aos outros. Ele próprio já disse: "Parece que há sempre algo a acontecer para nos impedir". E penso: "Como te compreendo. É isso que tenho vivido nos últimos 20 anos."
Gosto de acreditar que Deus está a aguardar pelo momento certo.
Tornei-me mais crente. Talvez para ter uma esperança.
Tornei-me mais atenta aos sinais que a vida me dá.
Àz vezes no vazio da vida, estão lá os sinais para prosseguir ou parar. Só temos que escutar, observar e interpretar.
Temos de nos agarrar a algo para manter a esperança, a Fé, então é aos sinais que me agarro. Aos momentos oportunos para preencher o vazio que vai transbordando entre uma conversa aqui e ali. Entre um olhar e outro. Entre um suspirar, um expirar e não pirar.
Gosto de acreditar que a nossa luzinha está guardada para vir até nós um dia.
E enquanto escrevo estas linhas dói mais um pouco e percebo que não estou nada pronta para desistir da ideia de ter filhos. Vou lutar até ao fim. Até chegar a uma linha onde eu possa dizer, finalmente conseguimos ou esquece, não dá mesmo.
E acho que é isto.