Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

O Caderno de Linhas

Desabafos, pensamentos, coisas com demasiado sentido.

O Caderno de Linhas

Desabafos, pensamentos, coisas com demasiado sentido.

Qua | 08.10.25

Sinto-me como um relógio derretido de Salvador Dali

April

A vida pode passar a correr e ao mesmo tempo ser lenta como abutre que se alarva das horas.

O dia que se repete, um após o outro, tropeçando num outono veraneio.

O tédio que nos vai corroendo e onde não encontramos beleza, nem tristeza.

Apenas cuidamos da vida para no outro dia levantar cedo e estar a horas nos locais a que nos propusemos arbitrar.

Que vida é esta de entra no carro, enfrenta trânsito, come, sobe escadas, entra pelo conhecimento a dentro, sai, desce escadas, enfrenta trânsito, chega a casa, toma banho que lava as agruras do dia, senta para relaxar, as horas passam a correr, trata do jantar, trata do almoço do dia seguinte, são horas de ir para a cama. E amanhã recomeça tudo novamente, como o coelho louco da Alice.

O vazio dos dias sem âmbito para lado nenhum, sem teorema enaltecido, sem trama tecida, sem afeto, sem vozes, sem partilhas. Sozinha, no branco dos corredores, sim, branco, não me enganei, um branco que nos invade o espírito, entre pensamentos e entorpecimentos. Os meus pés levam-me, não para onde queria ir, mas para onde o dever me chama.

A alma grita ao sol fora das vitrines, o sorriso ameaça serpentear o rosto no pensamento de verão que ficou lá atrás.

Espreito a rua e sinto os pés apertados contra os ténis. Caminho ligeira, por entre as gentes e depois por entre os carros. Entro no carro e tiro os ténis, saltam as meias invisíveis malucas que me apertam para dar lugar a um pé nu pronto a receber um bom banho quando chegar a casa.

O ócio dos pensamentos enquanto conduzo. A música louca que paira no ar para me animar.

Chego a casa e respiro. Está sol. No meu lugarzinho perdido no mundo, está sol.

A fome nem sei onde ficou. O apetite perdeu-se. Os sonhos evaporam-se como bolas de sabão. E quando o champô do banho, esquecido na prateleira, já cheira a bolas de sabão da Feira Popular.

A água lava a alma e saceia a sede sedentária de tudo.

O cansaço invade o corpo noite dentro. Sinto-me como um relógio derretido de Salvador Dali (A Persistência da Memória).

E de repente assola-me a fúria do: "O resto que se f3#@" - sim, em jeito de vernáculo, porque hoje ouvi muita gente em cima do seu altar a pronunciá-lo entredentes - pois agora é o meu momento. Amanhã é mais um dia a repetir.

Mas será um dia de sol, mesmo que não brilhe, o sol vive alto dentro de mim.

E amanhã estarei como numa pintura viva de Monet, resplandescente, até ao momento do relógio derretido, novamente.

 

2 comentários

Comentar post