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Porque não se sai de uma profissão onde só se fazem greves?

Vejo a nossa profissão ser tratada com leviandade e leveza pela sociedade e acho que nunca ninguém se senta a explicar a nossa vida profissional.

Vamos lá. Vamos sentar-nos, ler e perceber.

Sou professora, não porque, como dizem as más-línguas, não tinha média para mais nada, ou não sabia fazer mais nada e foi o que segui. MENTIRA.

Sou professora porque assim o decidi aos 6 anos de idade. Dou aulas ao 3.º ciclo e ao ensino secundário.

Lembro-me do meu pai ver nas notícias os professores a queixarem-se de andar com a casa às costas e dizer-me: "Oh filha, é mesmo isto que queres? Pensa bem, ainda vais a tempo!" E eu respondi: "Sim, é isto. Não me imagino a fazer outra coisa."

E assim foi. Tirei a minha licenciatura em ensino de...

Adoro dar aulas, não adoro o que o Ministério nos faz.

Mas vamos começar a olhar ao microscópio esta vida de 3 meses de férias, sair mais cedo e ter um mês inteirinho de férias.

3 meses de férias: Não tenho. Terminam as aulas e temos de lançar notas, verificar avaliações, ter reuniões, corrigir exames nacionais, vigiar exames nacionais, mais reuniões, preparar o ano letivo seguinte com mais reuniões, fazer horários, constituir turmas, mais papelada que temos de preencher, inventários, etc, etc. Acreditem, a nossa vida é ocupada quando não há aulas. É verdade que pode ser às vezes mais leve, mas às vezes pode até ser mais dura, tudo depende do serviço que nos calha nesse ano.

Sair mais cedo: saímos mais cedo, dependendo dos dias. Há dias que temos o dia inteiro de aulas, 7h. Acreditem que é exaustivo. A voz, o esforço físico, o raciocínio. Muitas vezes chego a casa só quero silêncio, estou farta de barulho e gritos dos miúdos nos corredores e intervalos. Chego a casa e desmaio no sofá de cansaço. Para não falar das dores de cabeça em certos dias devido ao barulho e ao stress de gerir crianças sem educação nenhuma e sem noção nenhuma da realidade. Depois, quando efetivamente saio mais cedo aguardam-me testes para fazer, ou fichas, ou testes para corrigir, ou procurar informação para passar na próxima aula, ou construir projetos escolares que ou nos pedem, ou nos são impingidos. Os fins de semana a trabalhar e as noites a trabalhar ninguém vê. As horas extraordinárias, atrás de horas extraordinárias são caladas e silenciadas. Só a família e os amigos que sabem a minha vida é que me dizem, "realmente a sociedade não está preparada para perceber a carga de trabalho que vocês têm". Cheguei a ter a família reunida em casa e eu fechada num quarto a corrigir testes, sem conviver com os meus, porque tinha de ser. Eu tinha de entregar a avaliação.

O mês inteiro de férias: cá em casa há muitas queixas porque não podemos tirar férias noutra época do ano. É sempre na época alta. Viajar para longe está fora de questão. Vamos ali até ao norte passear ou aos algarves quando encontramos uma promoção. Ter férias e estar sozinha sem ninguém, pois o marido só pode tirar 2 semanas. Fácil este mês de férias, não acham? (estou a ser irónica, não posso deixar de o ser).

Casa às costas: nunca tive isso. Primeiro tenho uma boa média de curso, depois sempre morei perto de cidades grandes, a minha disciplina é das mais procuradas e o mais longe que estive foram 70 km (fazia 140 km diários). Bem, posso dizer que deixava um 1/3 do meu salário em combustível e portagens. 

Outras oportunidades de emprego: já tentei. Já tive negócio próprio. Já trabalhei em empresas. Recentemente tentei mudar de carreira e enviei currículos. Tenho mestrado e pós-graduação em outras áreas agarrada à minha licenciatura principal, mas que dá para ir trabalhar para uma empresa. Situação atual do nosso país: com 40 somos velhos. Ninguém me quer. Ou por ter demasiada formação, o que implica que o trabalhador vá pedir o salário de um sénior, ou não tenho o fator "C" como me disse um formador. "Sabes, April, por norma este tipo de trabalhos é só por connects." E eu engoli em seco, estava a fazer a pós-graduação para o boneco. Tive média de 17 valores. De nada me valeu.

Continuo a gostar da profissão? Sim. Gosto de dar aulas, adoro ensinar aos meus miúdos.

O que não gosto: a má educação, o estarmos em perigo porque os perigos à integridade física são salientes e gritantes na nossa profissão. Aqui há dias uma colega disse-me que no ano passado tinha um aluno que levava uma arma com ele para escola. Entretanto foi apanhado pela polícia, mas até lá foi muito stressante dar aulas a este jovem. O congelamento de carreira, onde sentimos que foi trabalho duro e ninguém reconheceu. Agora estão a tratar de resolver isso, finalmente. As ultrapassagens constantes no concurso de professores, onde pessoas menos graduadas e com menos tempo de serviço conseguiram efetivar há anos e eu só efetivei este ano, após 18 anos. Nas empresas ao fim de 3 anos, ou do 3 contratos é se efetivo. Na função pública como docente isso não existe. Estatuto trabalhador-estudante: só se estivermos a tirar algo relacionado com a educação, senão não temos direito às horas de isenção para ir à faculdade. Se tiverem dúvidas consultem o Estatuto da Carreira Docente, está lá. Salário. Acreditem, para a quantidade de formação e conhecimento que temos é muito mau. Para aquilo que aturamos é péssimo. Para a carga de horas extraordinárias que fazemos e ninguém vê? Acreditem, não vale o esforço. Se tiverem dúvidas vão ver a tabela salarial de um professor nos primeiros anos de escalão. Faltam 25 anos para me reformar, vou chegar ao 8.º escalão se não acontecer mais nada e se acabarem as vagas de entrada nos escalões, porque se continua assim só os amigos dos amigos é que sobem. Os outros simplórios, como eu e muitos, continuam na mó de baixo. Eu não fui talhada para dar graxa, lamento. E nunca chegarei ao topo, o 10.º escalão. Esqueçam lá isso. Porque deve, entretanto, acontecer mais umas tropelias à economia e o primeiro sítio a cortar é sempre na educação (e na saúde).

Sabem quantas pessoas no ano letivo passado tentaram ir dar aulas, sem habilitação profissional, na minha escola a matemática e desistiu? 4 - QUATRO. Isso mesmo, quatro pessoas. Foram e depois quando perceberam como era a vida de um professor ao fim de 1 ou 2 ou 3 dias desistiam. Foi assustador ver as pessoas irem embora, como o diabo foge da cruz.

Será que esta profissão é assim tão boa?

Para mim só tem uma coisa boa, pela qual me apaixonei: Ensinar. Ver olhos a brilhar pela descoberta de novos conhecimentos. O resto era dispensável. Mas não há profissões ideais e sabemos que todas têm os seus senãos. Esta é a minha.

Só peço respeito e compreensão.

Se a vossa profissão não é boa, lutem por vocês. Levantem-se e façam acontecer. Agora tentarem calar uma classe porque luta pelos seus direitos? Parece-me leviano.

Uma sugestão: se ser professor é assim tão cheio de regalias, deixem os vossos empregos e venham. Estamos a precisar de pessoas resilientes e cheia de garra como vocês! O ministério até está a efetivar pessoas sem qualificação profissional e só com habilitação própria.

Vamos? Cá vos espero! 


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